domingo, 26 de dezembro de 2010

Haces tan bien



Passei-me de repente por outra língua

Presa entre os dentes

Diferentemente das demais

Mas, no fundo, era a mesma

Língua de anos atrás


Lembro-me dos quatro cantos

Mutantes dia e noite que

Escondiam-se em copos de café

Frio, batido e abatido

Folhas amarrotadas e uma

Caneta de traço doído


Nunca houve algo por queixar-me

Comida no prato fundo

Coberta comprida (gasta, é verdade)

Papo, fumaça, letras

E aquela língua de saudade


Não seria, como quase completo sou

E fui

Pelo tempo infinito de uma madrugada

Mais próprio qualquer um já fora

Ao som da língua sempre machucada


Faz-se, ainda, complemento à la carte

De cardápio invariável

Satisfaz-me todavia e além

A língua, aquela língua, na viagem

Do tudo ao nada, do zero ao sem


Gracias, mi amor

Gracias y amén.


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Music: La Trama Y El Desenlace - Jorge Drexler

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Recruta ferido



O começo é arrasador: tempo, plano, texto, contexto e... bum! Os estilhaços sempre (sempre mesmo) atingem um ou outro transeunte desavisado, daqueles que saem de chinelo no domingo de manhã. Alguns ferimentos são simples de serem curados: uma gaze de carinho, talvez um esparadrapo de compaixão e já estão prontos para continuar. Outra bomba de palavras figuradas, palavras muitas vezes repetidas. Seria simples se não vivêssemos em um campo minado silábico. Seria fácil demais vivermos naquela ilha, aquela além das gaivotas que voam em V. Mas não, não nascemos para acompanhá-las. Simplesmente estamos aqui para observá-las de um lado ao outro, sem rumo. E, enquanto isso, seguimos perdendo pedaços ao caminhar nos escombros de vozes alheias, que não se cansam de nos atingir de cima a baixo, por todos os lados, de todas as formas.

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Music: Blues Boys Tune - B.B. King

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Abafa o desabafo


Falarei
Em mudo tom constante
O que envolve o centro
Do âmago cerrado alheio
Que por inteiro entro.


Devagar
Rompe a cara do silêncio,
Do fato, de exato movimento
Entre passadas, passado
O tempo distinto.


Assim,
Um a um, cá seguro sinto
Às vezes, quase sempre em ti
Surge nos lábios canto
Suave, risonho, avesso aos
Traços amargos meus.


Segredos
Fingem correr em linha
De dois aqui ou três ali,
Na tua direção, pro mundo
Do amor em chamas parti


Revelados
Ou não, dão as caras hoje
Se olhares bem, já vejo
Que estrofes escritas tem
Poder de paixão no desejo.


Enfim,
Deste lápis tiro a ponta
Nesta folha passei borracha
Desta vida completa em negro
O meu branco cruzou tua faixa.



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Music: Mr. Writer - Stereophonics

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Hein?



E é assim que as coisas são, de maneiras tão distintas que elas podem ser, complicadas e simplesmente pacatas, opacas... Parece, jeito, figura, tec tec, raciocínio lento, lento ao olhar do seu, vagaroso, aleatório perigoso.

Aqui está, meu amigo. E onde mais poderia procurar? Nas tuas ideias? Deixa brotar, deixa parecer com que tudo e todos se façam, se percam, se esgoelem ao apagar das luzes. Deixa o menino jogar. Deixa o menino curtir. Deixa, deixa...

As adversidades nominais nunca falham. Os joguetes silábicos, as conjunções excomungadas, os acentos baixos, os parágrafos altos. Um a um a um... Ainda me faltam muitas coisas. Ainda preciso fugir do chão ensaboado. Mas para quê? Há que se cair 7, para levantar 8. À esquerda, rumo à esquerda. Faça bem feito. Direito para nós. Escute sem prestar atenção. Atenção: piso molhado.

Mente doentia, multifuncional, diversificada, insana e suja. Mixada também em um pouco de letras esparsas, com significados distintos. Sozinho. Deixa eu lhe dizer... Escuta o que eu falo? O que posso fazer? E continuo não fazendo. E todas as vezes é o mesmo amor que contemplo a mim, a só. Sem revisão. Mentira. Sem construção. Sem se calar. E permeia.

Em 3, 2, 1! Bem-vindo ao abominável mundo de percepções descabidas. Que sejam ignoradas as línguas avulsas, não servem de nada. Que se calem todos os what, who, from hell do céu. Vermelhos são. Música, tecido, santa, dois dedos sobre os punhos cerrados, zerados... E se era errado? Porque simplesmente vem assim. Assim?

Assim assim.

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Music: Lilás - Djavan

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Tu-do-den-tro





Eis o poeta acorrentado
Vivendo a correr sentado
Por si só perseguindo
Momentos tais, tantos
Esquecidos na tua
Fuga sentida, sem pressa
Singela, suave e sintética
De mil e alguns pensamentos

Na cabeça coberta em figuras
Prendem-se bordas dobradas
Por mãos feridas, ferozes
Fixadas em Si e mais
Cruzadas em Dó maior na frente
Seguinte, Lá distante, ao centro
Sol se curva atrás

Olhos comuns conferem
Coincidências pouco convictas
Não faz diferença, continuam intactas
Pra quem cria, sem é cem
Diminuem, dividem, multiplicam-se
Afloram, perpetuam e viram miragem
Letras a esmo que continuam
Elasticamente compactas

Luzes acesas, divinos fantoches
Alegram o café corriqueiro
Com sorrisos do olá primeiro
E contagiam no verso do inverso
Na prosa bonita do réu
Confesso das ideias, travesso
Moleque, menino saudoso
Que descreve seu mundo insosso
Em linhas vãs, rumando certeiro

O tempo caminha e consome
A tristeza tratada sem nome
O murmúrio, a lástima e resta
Fé fluída em enxame
Voando fugaz pela fresta
Escute, a beleza não some
Talvez mude, caia, faça crosta
Mas continua sob o pronome
Não confunda, esqueça ou demore
Apenas leia, sinta
Conjuge-me

O poeta não sabe que é capaz
Sua forma é figurada
Borrada em branco giz
Brilhando em negro luz
Acalmado em voz de paz
O poeta se esconde em dois
Madrugando em papel e lápis
Simples no traço, pois
Não teme diante do pós
Ele apenas vai lá
E faz.


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Music: Así Soy Yo - El Cuarteto de Nos

domingo, 3 de janeiro de 2010

Te peço



Dai-me forças para escrever. Se meu corpo fraquejar e minhas pernas bambearem um pouco, que minha mente esteja leve e firme, novamente. Se me faltar disposição, que faça surgir coragem e imaginação. E, se faltar um pedaço de vontade, que renasça a inspiração.

Dentro do peito conservam-se os momentos que construíram a intensidade. Talvez estejam borrados, ao longe... Mas a raiz continua fincada por detrás da pele. A certeza da vida, como as estações do ano, controla o meu tempo. Tempo de luz, dias de frio, flores verdejantes, escassez acomodada. Na paciência da madrugada, aguardo tranqüilo, gota a gota, a semeadura em traço marcante.

Dai-me atenção. Dai-me perspicácia. Dai-me menos convicção e mais fluidez. O sol não é tão claro quanto o luar. Posso provar que a terra de lá também dá frutos. Quero sentir e me fazer sentido, sem pressa. Quero o poder das minhas mãos, a paixão das minhas palavras. Decifrar e ser indecifrável. Quero desenhar à sombra da multidão...

Arrepia o mistério que me mantém. Toca-me a falta do saber, muitas vezes. Mas, além de tudo, as folhas em preto e branco contornam cada frio na espinha, cada respiro mais fundo. E, confesso, desaponto-me também, não por meus punhos – que por certo me sustentarão-, mas pela chama que deixo à mercê da brisa úmida.

Dai-me, por fim, um eco interminável, uma retumbância eterna. Dai-me tudo o que está além. Dai-me menos de mim... E mais do mundo.
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Music: Prayer - Leela James